Sunday, July 29, 2007

CONHECER O ABISMO


"É necessário conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.

Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
tudo marcha para a arquitectura perfeita:
A aurora é colectiva."


Murilo Mendes, Poesia, S. Paulo: Livraria Agir Editora, 1983, p. 84

Sunday, July 22, 2007

NOVAS REFLEXÕES SOBRE O INFINITO





"Infinito, homem, era o tempo antes de vires à luz do dia
e infinito o que te espera no Hades.
Que porção de vida sobra? Tanto como o ponto dum ponto
ou algo mais insignificante ainda? A tua vida está encerrada
num curto espaço de tempo. Nada tendo em si mesma
de agradável, é mais triste ainda que a odiosa morte.
(...)"


Leónidas de Tarento, in do mundo grego outro sol - Antologia Palatina e Antologia de Planudes, selec. e trad. Albano Martins, Porto: Ed. Asa, 2002, pp. 56-57.

Thursday, July 19, 2007

DE ESCURIDÃO EM ESCURIDÃO


"Abriste os olhos - vejo a minha escuridão viver.
Vejo-a até ao fundo:
também aí é minha e vive.

Poderá isso transpor? E transpondo acordar?
De quem é a luz que se atrela aos meus passos
para encontrar um barqueiro?"


Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde, selec., trad. e intr. João Barrento e Yvette Centeno, 2ª ed. , Lisboa: Ed. Cotovia,1996 , p. 45.


Sunday, July 15, 2007

CORPO PESANDO NA SERENIDADE

"Cuál és mi verdad? Cuál es mi alimento sin vosotros?
Quién juzgará a quién ha traicionado a la traición?

La pregunta es un ruído inútil en el idioma que sucede a
la juventud.

Mi cuerpo pesa en la serenidad y mi fortaleza está en re-
cordar; en recordar y despreciar la luz que hubo y des-
cendía y mi amistad con los suicidas.

Reconeced mi lentitud y el animal que sangra dulcemen-
te dentro de mi alma.

Vuestra limpieza es inútil. Ilumináis en las ejecuciones y
la locura crece en este resplandor. Magnificáis a vues-
tros enemigos y vuestra imprudencia comunica con
sus designios.

Harías mejor abandonando, deshabitando un tiempo
que se coagula en la dominación.

Qué es la verdade? Quién ha vivido en ella fuera de la do-
minación?

Harías mejor en residir en légamos. You no soy vuestro
maestro pero sí vuestra profundidad a la que quizá no
llegaréis."


Antonio Gamoneda, "Descripción de la mentira", in Antología Poética, Madrid: Alianza Editorial, 2006, pp. 100-101.

Thursday, July 12, 2007

AZUL TEMPORAL SOBRE ESPUMA LILÁS


"De l'éternel Azur la sereine ironie
Accable, belle indolement comme les fleurs,
Le poëte impuissant qui maudit son génie
À travers un désert stérile de Douleurs."

Stéphane Mallarmé, Poésies et autres textes, Paris: Le Livre de Poche, 2005, p.137

Monday, July 9, 2007

ARCANJO DE GRANITO ROLADO DE INFINITO



"L'étoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles,
L' infini roulé blanc de ta nuque à tes reins;
La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain."


(A estrela choveu rosa no coração da tua escuta,
O infinito rolou alvo no teu corpo, a nuca aos rins,
O mar orvalhou ruivo os teus seios de rubro cobre
E o Homem sangrou negro no teu flanco sem fim)


Arthur Rimbaud, O Rapaz Raro - Iluminações e Poemas, trad. Maria Gabriela Llansol. Lisboa: Relógio d'Agua, 1998, pp. 206-207

Wednesday, July 4, 2007

MEDITAÇÃO JUNTO À LUZ


"Falamos junto à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse"

Sophia de M. Breyner Andresen, Dual, Lisboa: Ed. Caminho, 2004, p. 30.

Sunday, July 1, 2007

QUEM TE AMOU NA BREVE RUÍNA DO MUNDO?

SPIRAL INSANA

"
Estilhaços de quê
esses que trazes nas mãos
impotentes? Quem
te amou na breve ruína
do mundo? São de despedida
os sinais que do vazio se estendem
sobre o vazio. Talvez
se adivinhe o silêncio, a
extrema pureza do abandono.
Nem rosto tens já
para sorrir à morte.

Entretanto bebes muito
nos templos da amargura
olhas sem paixão
o rigor feroz dos abutres
esvoaçando. O que procuras é
a própria canção do desespero,
uma taberna distante do mundo.

nenhum modo que não seja de noite. "


Manuel de Freitas, Todos contentes e eu também, Porto: Campo das Letras, 2000, p. 14